21 de agosto de 2011

Visita à Missão, por Anne e Marisa


Foi quase há um mês que eu e a Marisa saímos do Maputo ás dez e meia da noite rumo ao Xai Xai na companhia de duas voluntárias, a Leonor e a Joana, com o Papá Langa ao volante do jeep da UPG. Ao fim de três horas tínhamos à nossa espera a “suite” na missão do Xai Xai, duas camas e casa de banho privativa! Eram duas da manhã e adormecemos instantaneamente. (...)
A Irmã propôs que nós fossemos visitar o Chongoene, visto que a Joana e a Leonor podiam nos deixar lá a caminho de Chokoé, eu assim poderia conhecer o meu afilhado e ainda teríamos a oportunidade de acompanhar uma distribuição de alimentos que se iria realizar nessa tarde. Pareceu-nos um programa excelente, agradecemos o pequeno almoço, despedimo-nos da irmã Emanuel e seguimos para Chongoene.
Fomos recebidas de braços abertos (mesmo!) pela Irmã Aparecida. Ficámos logo à vontade com esta Irmã brasileira, alta, efusiva, com uma boa disposição e entusiasmo contagiantes. (...) Visitámos a horta, que lá se chama machamba, comemos laranjas e tangerinas deliciosas, e seguimos para ver o furo de água (não financiado pela UPG) (...). De caminho, parámos na cubata da “Vovó Ana”, foi atropelada e perdeu a capacidade de andar. Tudo o que ela tem na vida está naquela cubata e dela não consegue sair, se não fosse a ajuda que recebe não tinha forma sequer de procurar alimentos. Assim, está perto da missão, as irmãs olham por ela e cuidam não só da sua alimentação mas também lhe fazem companhia. Com a boa disposição da irmã Aparecida a “Vovó Ana” sorriu, tirou fotografias connosco e falou muito, para nossa grande frustração que não percebemos nada! A seguir fomos então visitar a escola, um edifício baixo e comprido como as casas do Alentejo, cá fora o chão batido e um grupo atarefado de rapazes e raparigas talvez entre os 8 e os 14 anos de idade. Em frente deles a Eunice, a recém chegada voluntária que estava a acabar um jogo cujo objectivo era dar-lhes umas noções de aritmética. Eles estavam todos com números pendurados ao pescoço, num frenesim para se agruparem por números pares e ímpares ou algo do género. Já chegamos no fim do dia deles, assim passado um bocado entregaram  os números deles e foram-se embora. Ficaram então os pequeninos...
Um bando de pequenas almas, integralmente vestidas com as roupas que nós lhes mandamos, todos com um chapéu novo que a Eunice lhes tinha dado naquele dia, a cantarem uns atrás dos outros a música do comboio, deixou-nos rendidas. Passado pouco tempo estávamos a brincar e a cantar também! Eu já estava quase a ser estrangulada pela cintura com uma corda puxada por aquelas coisinhas, quando fui salva pela Marisa que fez um círculo e nos pôs a fazer coisas mais calmas e didácticas em preparação para o almoço.  (...). Foi constrangedor ver uma das crianças a soluçar por ter deixado cair um colher de arroz no chão, nos pratos todos não ficou um grão de arroz por comer. Soubemos que aquela era a única refeição do dia...
(...)
Debaixo de uma árvore de copa larga estavam algumas trinta crianças a cantar em coro. Orientadas por uma mais crescida cantavam canções lindas a várias vozes, as mães e avós que estavam um pouco afastadas entravam numa espécie de refrão e às páginas tantas estávamos todas a dançar com elas! A irmã Aparecida apareceu com uma viola nas mãos e pôs-se a tocar ao despique para o único homem que me lembro de ver, até que lhe passou a viola e ele começou a tocar e a cantar músicas portuguesas!
A Eunice, a Marisa e eu não conseguíamos parar de dançar, as mães cada vez dançavam mais e as crianças riam e riam! Fui apresentada ao meu afilhado João que embora estivesse muito envergonhado conseguiu dar uns passos de dança com a madrinha!
Entretanto os dois homens que vinham connosco já tinham feito um círculo no chão com vários montinhos de víveres, um para cada família. Ao chamamento da Irmã Aparecida as famílias posicionaram-se por trás de cada montinho, e aí começou a distribuição dos frangos, um por cada criança, estamos a falar de frangos vivos, claro! Os frangos não paravam quietos mas as crianças não os largavam! Presos pelas pernas ou pelas asas, eram deles!
O que se passou a seguir, foi o momento mais comovente de todo este acontecimento,... as crianças aproximaram-se de nós com as mão cheias de presentes: laranjas, alfaces, tangerinas, mandioca, cocos, e até um pombo! Foi difícil despedirmo-nos de todos, com as mãos cheias de presentes e  a cara cheia de lágrimas lá conseguimos entrar para o jeep com os sacos todos e um pombo ao colo, rumo à próxima entrega. Seguiu-se a mesma recepção com canções e danças assim que chegámos, só que desta vez já saímos do jeep a dançar! A Irmã Aparecida dançou com uma Vóvo a canção do soldado que eu me lembro da infância, e no fim fizeram uma continência, e nós logo uma fotografia! Eu e a Marisa também fomos fotografadas com uma mãe vestida de blazer da antiga farda TAP! Houve distribuição de fotografias tiradas anteriormente, pela Irmã Aparecida, todas as crianças levaram uma fotografia na mão, para além do milho, do arroz, dos frangos, etc. Fiquei a pensar como é que as vovós iriam conseguir carregar aqueles quilos de milho e de arroz para casa, mas quando partimos já elas tinham o milho à cabeça, o arroz às costas, e tudo o resto repartido por várias partes do corpo!
(...)
Conversámos sobre a vida na missão, as carências, as ajudas, as doenças, os progressos. Não ouvimos uma lamúria, uma queixa, uma contestação de dificuldades, só os planos, os objectivos, os sucessos, as esperanças. Aquelas três pessoas que estavam à mesa connosco, trabalham abnegadamente todos os dias para melhorar e mesmo salvar a vida a centenas de seres humanos, com um mínimo de condições levam os meios de subsistência a quem não tem mesmo nada, e fazem-no com alegria, gratos por poderem ajudar um pouco!

Para mim e para a Marisa, foi uma experiência inesquecível e se havia alguma dúvida sobre a eficácia do trabalho do Pequeno Gesto com a ajuda dos Voluntários com Asas, a dúvida passaria a pasmo. Dentro deste mundo tão conturbada e desassossegado, há um punhado de gente cuja preocupação é que os seus próximos não morram à fome, que cantem e dancem e não percam a esperança, desde que vá chegando o arroz e umas roupas para se agasalharem (estava frio!), estão felizes. Por isso quando tiverem dúvidas sobre ajudar esta missão, pensem que um par de meias é uma alegria! Uma refeição por dia é o suficiente!   


9 de agosto de 2011




O Ivo era uma daquelas crianças, que nos primeiros dias que tivemos contacto com as crianças, se revelou muito introvertido mal respondia muitas vezes apenas acenando com a cabeça, não sorria e parecia sempre triste. Ao longo do tempo o Ivo foi-se revelando... Em primeiro o Ivo não sabia o abecedário, apesar de estar na 3ª classe. Após apenas uma manhã o Ivo aprendeu o abecedário e passadas algumas semanas de trabalho com ele o Ivo começou a ler, textos simples. Foi um grande progresso e dos maiores que sentimos com as crianças, o Ivo mostrou-se uma criança muito inteligente e dedicada. Por várias vezes encontramos o Ivo com alguns coleguinhas num canto da escola a estudar o livro de português, insistindo naquilo que era o seu principal problema.
Mas não só em termos escolares o Ivo nos surpreendeu, o sorriso que nunca tínhamos visto começou a aparecer frequentemente, o Ivo tornou-se bastante mais expansivo interagindo connosco e participando ativamente em todas as atividades que realizamos, desde o jogo da barra ao lenço, às aulas de ginástica, aos jogos com bola, ou outros. Bola que é um grande dom do Ivo, tem um jeito enorme para futebol, não só nos truques e fintas que lhe dá um ar de jogador de futebol profissional mas na velocidade que é capaz de correr. O Ivo foi mesmo uma das crianças que no dia da nossa despedida chorou ao ter que nos dizer adeus, foi algo que nos comoveu e que revela muito sobre esta criança aparentemente mais distante, mas muito carente de atenção e carinho.
 O sorriso e a simpatia que nasceu no Ivo ao longo de quatro semanas...
Por Joana M., Voluntária em SLM em Julho de 2011

3 de agosto de 2011

O Final de Uma Experiência Única - Por Joana e Leonor


Como forma de resumirmos a nossa passagem por Moçambique acho que se pode dizer que foi a experiência das nossas vidas. Conhecer e poder ajudar a melhorar uma realidade que em tudo é diferente da nossa é um orgulho muito grande. Saber que pouco a pouco estamos a ajudar a criar melhores condições de vida e a construir um futuro melhor para algumas crianças enche-nos o coração. Tal como nos dizia a Irmã Isabel o nome um pequeno gesto já devia ser um grande gesto, porque de facto, embora não possamos ter a ilusão de que vamos mudar o mundo, sem dúvida que o trabalho é já notável. Isso vê-se pelo afecto recebido das crianças, dos seus familiares, que nos agradecem imensamente todo o apoio e trabalho realizado e ainda pelo respeito que já conquistámos nas comunidades locais e comunidades de irmãs e padres que muito admiram o nosso trabalho.
É muito gratificante trabalhar com as crianças ver a sua evolução, algumas que não sabiam o abecedário e que ao fim de algumas semanas de trabalho já conseguem ler, ou ver que outras que não sabiam a tabuada sem consultar a contracapa do caderno e que agora já a sabem. Mas acima de tudo perceber que conseguimos causar um impacto positivo nas vidas delas, conseguir que o lado carinhoso e afável viesse ao de cima. Perceber a alegria e amor que todas elas têm dentro de si através dos seus sorrisos, abraços e beijos, ou mesmo das lágrimas no momento da nossa despedida.
Saímos de Moçambique com várias certezas, de que nem que seja por um pouco mudamos a vida de algumas crianças, que há muito trabalho para fazer e só com gestos como os que têm sido feito podemos ter esperança de construir um país melhor. As crianças são o futuro, e é por isso e por milhões de outras razões que devemos apoiá-las e torná-las adultos educados, responsáveis e cheios de amor. Outra certeza que temos é que vamos procurar mais padrinhos e madrinhas para tantas outras crianças que precisam, mais fundos para que se construam mais casas e outras infraestruturas tão necessárias e mais consciência das necessidades existentes.
Finalmente a certeza de que vamos voltar, para podermos, ajudar mais no terreno, matar saudades que já são tantas e receber tantos sorrisos e carinho em troca.
Para todos aqueles que ainda não tiveram a oportunidade maravilhosa de ir até Moçambique acreditem que vai mudar as vossas vidas, tal como nós, vão crescer muito como pessoas. Vão dar mais valor à abundância em que vivemos e vão ser capazes de pensar que parte dessa abundância pode e deve ser partilhada com quem menos tem, que infelizmente é muita gente e acima de tudo muitas crianças que sofrem não só de carências alimentares mas de doenças que inevitavelmente apanham.

Queremos também dizer um grande Khanimambo a todas as irmãs e padres, à UPG, a todos os voluntários e ex-voluntários não só pelo apoio que nos deram mas sobretudo pelo excelente trabalho que têm feito por Moçambique e especialmente pelas crianças daquele país maravilhoso.
Tamos juntos!
Beijinhos das manas,


Joana e Leonor

1 de agosto de 2011

Eunice em Chongoene - Primeiras Reacções


Escrever sobre as emoções que me estão a inundar nesta primeira experiência de voluntariado em Moçambique é tarefa que não consigo executar. É impossível de descrever: gratidão, submissão, simpatia, humildade, dádiva são palavras insignificantes para caracterizar o povo sofrido e pobre com quem me encontro a desenvolver este " Pequeno Gesto".
As crianças são o espelho desta sociedade: Bens para qualquer um de nós insignificantes podem fazer a diferença.  Não possuem nada, mas nada e não existe o essencial (material escolar, brinquedos, roupa, e tudo o mais)
Contudo na escola onde estou a desenvolver o trabalho de voluntariado verifica-se um empenho (o possível) em alterar esta situação. Não é possível mudar o Mundo, mas se cada um de nós tentar modificar um pouco talvez amanhã tudo seja mais justo e equilibrado.