A semana passada, tive de dizer a um menino de 10 anos que não lhe daria a comida da distribuição mensal até que voltasse a ir à escola diariamente e aparecesse todos os dias na casa das irmãs. O João é órfão, a sua mãe abandonou-o e a sua madrasta tentou roubar a sua comida. A Irmã Aparecida é agora quem o alimenta, veste e o manda à escola. Mas a tentação é forte e, na semana em que recebe a comida, fica em casa a comer... Já que era semana de exames do trimestre, tivemos de atrasar-lhe a comida...
Anteontem fomos à procura da casa de um menino da 2ª classe que deixou de vir à escola. Quando apareceu, disse que o pai não o deixava vir à escola porque queria que o menino trouxesse dinheiro para casa todos os dias. Quando fomos a sua casa percebemos porque veio à escola: o pai estava fora em Maputo. A Irmã Isabel prometeu voltar no Domingo para falar com o pai mas ontem o menino voltou às ruas. O pai voltou.
Ontem, quando saía da Escolinha de manhã, um policia pediu-me que desse boleia a um menino perdido. Disse que alguém o poria num carro para casa, a mais de uma hora de distância. Com medo de levar um menino desconhecido comigo mas sem coragem para dizer que não, decidimos levá-lo à esquadra mais próxima. O Ercídio não falava português e o meu escasso Changana serviu apenas para lhe descobrir o nome. Ainda mais reparámos que tinha um atraso mental. Garantimos que a policia o recebia e o levaria de volta mas continuaremos sempre sem saber se algum dia voltará a casa...
É difícil não perder a esperança num sítio destes mas é ainda mais difícil não ter esperança que as coisas podem melhorar. Confio que podem, rezo para que possam e espero que alguém oiça e se junte aos meus esforços. Como dizem aqui em Moçambique “tamos juntos”, é tudo o que podemos tentar fazer, pequenos gestos, e esperar que grandes ajudas aconteçam!
Sara, em Moçambique
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